domingo, 18 de maio de 2014

Frutuoso Chaves

Entrevista


Publicado por Tião Lucena em 15/12/2011 no Blog do Tião Lucena


"O jornalismo atual perdeu a compostura"

Entrevista com Frutuoso Chaves

Ele foi o mestre de uma geração de jornalistas. Não que seja velho, passado nos anos, isso não. É que começou cedo, ainda menino, forçado pelas circunstâncias e necessidades de garoto vindo do interior, como, aliás, foram todos os outros que por suas mãos passaram. Costumo dizer que se não fosse Frutuoso Chaves, eu não seria esse arremedo de jornalista que vos fala. Trago-o hoje a este espaço com o orgulho do aluno que reencontrou o professor, com a honra desmedida do pupilo grato ao mestre que, com carinho, respeito e em certas horas muito rigor, o encaminhou nesta selva de pedra chamada imprensa.

1 - Você foi mestre de uma geração de jornalistas, na qual me incluo, juntamente com Chico Pinto, Edmilson Lucena e Wellington Farias. O que isso representou para o jornalista Frutuoso Chaves?

Frutuoso - Caro Tião. Éramos um grupo de jovens a aprender uns com os outros. Um pouco mais adentrado nos anos, eu me valia do fato de haver tido no jornal meu primeiro emprego. Não no jornalismo, porque, ainda novo, a velha A União me recebia como contínuo. De todo modo, foram portas que se abriram para minha convivência diária com profissionais do porte de um Biu Ramos, um Gonzaga Rodrigues, um Barreto Neto, um Marcone Cabral. Você imagina a força de atração exercida sobre um aluno do Liceu por um grupo de que também participavam figuras da expressão de um Linduarte Noronha, ou um Paulo Pontes? Pois é, companheiro. Não tive como escapar.
Naqueles idos de 1966, por aí assim, eu aprendi os sinais de Revisão e me livrei do espanador. Na Redação capitaneada por José Souto (transcorria o Governo de João Agripino), virei tradutor de telegrama.
A tarefa consistia em dar forma jornalística aos despachos que nos chegavam, em linguagem telegráfica, das agências de notícias. Devo a isso a intuição de técnicas de codificação do jornalismo que, anos depois, me permitiriam produzir textos finais para redações do Rio e São Paulo. O acaso também me fez, ainda muito jovem, editorialista do jornal do Governo sob a batuta do mesmo Souto. Eu havia escrito algo sobre o centenário do Barão de Munchausen, o escritor que encantava sucessivas gerações de leitores, no mundo inteiro. Mostrei o texto a Marcos Tenório, o secretário de redação, que resolveu publicá-lo no espaço reservado aos editoriais de A União. Na manhã seguinte, Souto me chamava ao gabinete e me delegava o espaço. Função nova, mas
salário velho, aquele de office-boy.
No governo de Ivan Bichara, com Souto no comando do Jornal, fui feito Chefe de Reportagem. Tenho as melhores recordações dessa fase da minha vida profissional. Aguinaldo Almeida na Editoria e eu, a conviver com vocês todos, em sala no centro da cidade, a uns 15 quilômetros da sede d’A União, que já então funcionava no Distrito Industrial. Procurava, ali, repassar a vocês o pouco que havia aprendido em uma profissão na qual o aprendizado não deixa de ser diário e constante, quando se deseja ser correto e honesto. Pouca coisa me comoveu tanto quanto um comentário recente de Aldo Lopes (que me conheceu no comando d’O Norte) escrito debaixo de uma foto que registrava minha presença no lançamento do teu último livro, Tião. Escreveu Aldo, referindo-se a mim: “Com ele aprendi a ter vergonha”. Espero, com todas as forças,
que este tenha sido meu maior legado a vocês.

2 - Naqueles idos o repórter secava a canela para pegar uma matéria. Hoje a coisa está mais fácil. O jornalismo perdeu o romantismo?

Frutuoso – Perdeu mais do que isso. Perdeu a compostura, ressalvada uma ou outra exceção. O telefone celular, a internet, o gravador digital quase imperceptível (lembras daquelas geringonças pesadas, de fitas cassete?), milagres tecnológicos a serviço da informação, não têm servido, infelizmente, ao bom jornalismo. Nunca as redações
grandes e pequenas estiveram tão partidarizadas. Estabeleceu-se o espírito de manada, uma ética seletiva que expõe os podres dos inimigos, enquanto esconde os dos amigos. Quer um exemplo? A grande mídia, pródiga em denúncias contra qualquer governo de origem trabalhista (desde Getúlio Vargas), faz vista grossa para o que talvez seja o maior escândalo político da nossa história republicana: aquele de que trata o livro do jornalista Amaury Ribeiro, um sucesso editorial estrondoso (30 mil exemplares vendidos em 48 horas). Só sabe disso quem busca o tema na blogosfera, via Observatório da Imprensa, Luis Nassif, Paulo Henrique Amorim, Rodrigo Vianna e similares. A mesma partidarização toma conta das redações menores, inclusive na Paraíba. Aqui, você conhece as preferências de empresas e jornalistas depois da leitura do lead.

3 - Parece que, de todos aqueles gigantes de 75, você é o único que continua vivendo somente do jornalismo. Isso é fácil ou difícil?

Frutuoso – Não posso dizer que esteja vivendo do jornalismo. Vivo, essencialmente, da assessoria de imprensa do Tribunal de Contas. Este, aliás, é o terceiro Tribunal que eu assessoro, desde que deixei a Sucursal que o Jornal do Comercio me entregou, aqui, em João Pessoa. Antes disso, você lembra, fui repórter d’O Globo, por dez anos, vinculado à Sucursal do Recife. O Globo me pagava mais do que O Norte o fazia para dirigi-lo. E note que, na época, éramos a maior e mais importante Redação da Paraíba, A propósito, o aviltamento salarial praticado nessas plagas é o que tem empurrado muita gente nova para descaminhos profissionais. Não estou falando das assessorias políticas éticas e honestas. Pessoalmente, eu as tenho evitado por não desejar os estigmas. Mas não as condeno, quando declaradas e bem intencionadas. Sempre levando em conta, porém, que assessor produz informação. Não aluga a pena.

4 - A nossa imprensa hoje é mais livre do que aquela dos tempos em que começamos?

Frutuoso – Eu deveria ter feito a leitura completa de teu questionário. Ao invés disso, passei a responder aquilo que fui lendo. Mas vale a repetição: Ontem e hoje, a liberdade da imprensa é a liberdade do dono do jornal, da revista, da emissora de rádio ou TV. Mas a coisa já foi melhor. O pessoal de redação parece haver perdido de vez a coragem para contestar e contrapor, em benefício, sobretudo, da imagem da Casa. Conta-se que Roberto Marinho comentou, certa vez, a respeito de Boni: “Ele pensa que isso aqui é uma fábrica de sonhos. Não é. É de negócios”. Mas permitia que Boni empregasse comunista de carteirinha como Dias Gomes, cujo talento utilizou na criação do famoso padrão Globo de qualidade.

5 - Como você vê o comportamento dos órgãos de comunicação no trato das coisas do Governo?

Frutuoso – No plano nacional, você tem a mídia atrelada aos interesses de São Paulo. O coronelismo político tão criticado no Nordeste mudou-se de mala e cuia para as grandes empresas de jornalismo do País. As cinco famílias detentoras dos meios de comunicação mais dominantes teimam em fazer a pauta política nacional. Não se apercebem de que andam a perder público e eleições.

6 - Faça o perfil do jornalismo daqueles dias e o de hoje.

Frutuoso – Vamos falar do jornalismo da Província. As relações estão mais claras, hoje em dia. Você sabe, mais facilmente, quem está com quem. Os humores já não dependem tanto do aporte de anúncios do governo, porque há situações irreconciliáveis. Quem hoje passa a pão e água, entende que a dificuldade é passageira, torce pela volta do amigo ao Poder e a vida continua.

7 - Quem é Frutuoso Chaves? Como começou na imprensa? Em quem se inspirou para virar jornalista?

Frutuoso – Sou um operário da notícia sem muitos méritos e com dificuldade, agora mesmo, de conseguir a foto que você me pede para ilustrar, vamos dizer assim, essa entrevista. Acho que optei pelo jornalismo aos onze anos de idade, ainda sem muita consciência disso. Tinha saído de Pilar a fim de estudar no Recife. Os tios, com os quais
vivia, costumavam comprar a revista O Cruzeiro. Pois bem, folheando um desses exemplares, surpreendi-me com fotografias de Pilar, algumas em meia página. A saudade de casa apertou e fui ler o texto. O repórter, de quem não guardei o nome, tratava do mundo de José Lins do Rego. Reconheci pessoas e paisagens de cuja importância histórica e cultural somente então eu me dava conta. A descrição daquilo tudo me encantou. “Quando crescer, vou escrever para jornal”, pensei com os meus botões. Ô boca de praga.

8 - O nosso Brasil petista está bem, ou não melhorou?

Frutuoso – Numas coisas, sim. Noutras, continua na mesma. Nosso progresso social e econômico é indiscutível. Temos uma diplomacia que não mais tira o sapato em alfândegas americanas a mando do guarda e passamos a fazer parte do concerto das grandes Nações, com direito a voz e a voto. Elegemos à Presidência um sujeito feito em chão de fábrica, num momento em que o mundo, e não apenas o Brasil, parece
desencantado com expressões da velha escola política. Observe a eleição de um negro nos Estados Unidos e de um índio na Bolívia, sem falar da tentativa polonesa, aquela do Lech Walesa, que terminou em fiasco. Tudo isso parece um propósito universal de mudança. Outra novidade é uma mulher na Presidência do Brasil, por obra e graça do
antecessor, a cujo governo ela dá sequência. Mas nem tudo são flores. Ainda não reduzimos a contento os nichos da miséria nacional, nem superamos os males da corrupção, aqueles que a mídia tradicional alardeia, enquanto varre para baixo do tapete a sujeira dos amigos.

9 - Lembro que, quando o tinha como professor, o repórter tinha uma dificuldade danada para assinar matéria. Hoje todo fofa-bosta assina o nome em jornal. A imprensa vulgarizou-se?

Frutuoso – Há o nivelamento por baixo. O crédito de matérias banais parece uma forma de compensação a salários vergonhosos. A ordem é contratar mais com menos. Isso é processo iniciado na era do computador, instrumento que, no frigir dos ovos, serviu para a demissão de digitadores, revisores, emendadores e, mesmo redatores. Copidesque, hoje em dia, é como dinossauro. A meninada sabe que existiu, mas nem todos acreditam.

10 - Se você fosse escolher os dez nomes mais importantes da nossa imprensa, quais seriam os escolhidos?

Frutuoso – Você é doido? Vou arranjar briga com uns 90 amigos.

11 - A última questão, como de praxe, é livre, para o amigo colocar o texto que lhe vier na telha.

Frutuoso – Sei do enorme público do teu blog. Vou aproveitá-lo, portanto, para uma sugestão aos mais novos. Vocês querem penetrar nos bastidores do Brasil, de modo mais profundo e plural? Busquem, na internet, com jornalistas sérios, as informações que a mídia tradicional e seus colunistas escondem por conveniência própria, ou dos patrocinadores. Vocês vão se surpreender com o que não está nas manchetes. O livro de Amaury Ribeiro, por exemplo, fala (e dá nome aos bois) de um esquema de propina calculado, por baixo, em R$ 30 bilhões, o que torna bem suspeito o silêncio da mídia, da grande e da pequena, que vem a reboque das agências de notícias. É um silêncio que diz
muito da posição e dos interesses de uma imprensa que atiça CPI até para investigar gasto com tapioca. Quem não lembra?


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